A quem o Madeiro serve enquanto estamos confinados?

Crônica Resenha

Jonas Tex
2 min readMar 25, 2020

Os Deuses e espíritos circulantes da natureza deram um recado bem claro para a humanidade: Lavem as mãos antes de virem falar comigo. Quem deu sorte, está confinado em casa, pensando no que fazer com os planos paralisados, cancelados ou adiados. O sofrimento maior se intensifica nos hospitais, e sente nos pulmões o poder da Nêmesis.

Todavia, alguns personagens do momento ainda insistem na permanência do castigo divino. Pastores, presidentes e engravatados alertam que os negócios precisam caminhar. Argumentam que não podemos deixar uma minoria infectada atrapalhar toda a economia.

Nessas horas de confinamento, a Netflix nos presenteou com diversos títulos do renomado Studio Ghibli. Para cada dia de quarentena, Hayao Miyazaki, a mente por trás de muitas dessas obras, nos traz grandes reflexões sobre a humanidade, a família, a natureza e o que é sagrado. Quando a ordem do dinheiro se choca com uma ordem muito maior, não podemos deixar de pensar no enredo de A Viagem de Chihiro.

Chihiro é uma garota de 10 anos que está vivendo os efeitos da mudança de cidade. Na caminho para sua nova casa, seu pai decide pegar um atalho que os leva acidentalmente a um parque de diversões aparentemente abandonado. Apesar do repleto vazio, sua família não hesita em se alimentar da farta comida disposta no balcão de um dos restaurantes do complexo. Confusa, a filha única opta por explorar o ambiente, sem se dar conta de que a noite reservaria uma transformação na vida dela, dos pais e daquele misterioso local.

Para não atrapalhar a experiência surreal do Anime, não entrarei em detalhes do que acontece. Mas posso antecipar que o destino não costuma ser generoso com quem invade uma casa que não é sua, e serve-se de uma mesa que não lhe está reservada.

Diante de shoppings sem vivalma, ruas vazias e parques fechados que estamos vivenciando, qual seria a punição dada para aqueles que ignoram os sinais em troca de alguns hambúrgueres do Madero? O dinheiro não tolera ser recusado, e não há subversão maior para quem o possui do que ser silenciado por uma lógica forasteira.

Uma história tão rica, que o paralelo com o atual momento é uma pequena fração do que podemos aprender com toda a jornada de Chihiro. Se a humanidade vai amadurecer nesse castigo, ou continuar achando que é só uma histeria causada uma sopa de morcegos mal cozida, aguardemos o crepúsculo nos transformar lentamente nos espíritos que ocupam essa vazia cidade.

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