Ao sopro do fungo — Parte 2

Jonas Tex
4 min readNov 19, 2020
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Em março de 2009 eu tinha 15 anos. Estava completando um ano de namoro com a minha namorada Branca, que acabara de entrar no ensino médio comigo. Naquele mês ela faria sua festa de debutante e eu seria o príncipe. Minha vida não poderia ser mais comum.

Depois da festa da Branca, eu passei dias com dificuldades para dormir e sem o menor apetite. Sentia saudade e muita melancolia pelo ano anterior, fase marcada pelo o início do namoro, e por amizades que eu tinha consolidado numa banda de garagem. O mal estar e a inquietação mental não tinham um alvo tão exato como uma demissão, um término, o divórcio dos pais ou a morte de um parente. Além de ferido, não enxergava o ferimento.

A cada duas semanas eu já frequentava uma psicóloga, a mesma pessoa que fora minha psico-pedagoga anos antes. Ela detectou que esses relatos poderiam ser sintomas depressivos, e disse que dali em diante, o tratamento deveria ser com um psiquiatra.

Nas semanas seguintes, os sintomas se agravaram como nunca. O apetite era cada vez menor e o sono não dava as caras. A rotina era não acordar, aguardar o almoço que eu não teria forças para comer, tentar se distrair com algum filme e deitar na cama molhada de desespero. As coisas melhoraram um pouco quando tomei a primeira pípula de Lexapro. Era uma dose baixa dada por um profissional que mais tarde iria piorar toda a situação.

Quando eu voltei para a casa da praia, já me sentia derrotado e arrependido. Perguntava para Nael se eu estava sendo um problema, mas ele me tranquilizava, repetia constantemente que eu não tinha feito nada. Suas respostas importavam pouco, pois a pergunta por si só já revelava que eu não sabia o que estava fazendo. Quantas vezes eu o consultei? Será que ele já mandou uma mensagem para as meninas da casa? Tomem cuidado com o mentecapto.

Cara, eu vou subir para o quarto e ligar para a minha terapeuta, não estou bem

— Fica tranquilo, eu te espero aqui embaixo

Nanda era minha atual terapeuta, a 4ª que tive na vida. A primeira fora a psicopedagoga que detectou os sintomas. A segunda foi a psiquiatra que me deixou tão perturbado e paranoico quanto eu mesmo nessa viagem de cogumelo. Uma pessoa que parecia mais preocupada em me elencar numa planilha de sintomas, do que perguntar o que eu estava sentindo. No seu consultório ela enunciava fatos tenebrosos sobre a doença, como a alta possibilidade da depressão reaparecer e que esse demônio poderia perdurar toda a vida. Dados frios que mais atrapalhavam do que ajudavam, e conclusões irresponsáveis com base no vazio de ordens cartesianas. Como quando ela afirmou que eu estava perto de surtar e me indicou uma dose de anti-psicótico pois eu dizia que ouvia vozes depreciativas.

O medo de não ter o controle sobre as suas próprias capacidades talvez seja um dos mais aterrorizantes que existe. O mesmo terror que eu tinha aos 15 anos sobre a possibilidade de surtar, eu vivia naquela casa 11 anos depois, temendo fazer algo que pudesse causar um grande mal a mim e às pessoas da casa. Somente a Nanda poderia me ajudar.

— Nanda, é…como eu posso falar…peço desculpas por ligar fora do horário.

— Não precisa pedir desculpas, pode falar.

— Eu vim para a praia com meu primo, quis experimentar cogumelo, e eu estou…

— Com medo.

— Isso.

— Está angustiado?

— Sim, não sei onde os efeitos podem me levar, tomei na parte da manhã comecei a sentir um leve enjoo, fiquei mal.

— Bateu o arrependimento, o pânico.

— Exatamente — que bom que ela sabe.

— Não precisa se preocupar, isso não vem de você. Trata-se de uma substância externa. Vai sair ao longo do dia, conforme você for ao banheiro.

— Eu estou com muito medo, bem preocupado. Me garanta que vou ficar bem.

— Vai, vai passar, você vai ver.

— Está bem, estou mais tranquilo. Já ouvi falar que essa droga poderia afetar as pessoas de forma permanente, isso não vai acontecer né?

— Você está sob o efeito, aos pouco o corpo vai eliminar o que está te causando mal. Vamos fazer o seguinte, me liga daqui uma hora. Criar uma ancoragem entre nós vai ajudar.

— Combinado, me sinto melhor assim.

Desci as escadas em direção a sala. Os degraus estavam mais iluminados do que na subida. Bom, quem perde a sanidade não reconhece o seu estado e acredita fielmente nas vozes e alucinações que enxerga. Ao passo que quem ainda consegue notar a gravidade da situação, a ponto de se isolar e ligar para um profissional, possui um discernimento considerável. De certa forma, o mesmo pensamento que me ajudou em 2009 tinha me ajudado depois da conversa com Nanda. Ter medo de um surto psicótico era um bom sinal.

Ainda assim, perguntei pela milésima vez ao Nael se estava tudo bem, se ele não ia me dar uma bronca depois. Bronca? Ele estava na sala mexendo no celular, muito longe da paisagem mental alarmista que eu estava vivendo. Ali do lado, havia um pequeno quarto branco para prática de yoga. Me sentei lá no fundo e contei um pouco sobre a conversa com a Nanda para ele.

As meninas da casa, ainda estavam na praia, e eu torcia para que elas permanecessem por lá. De todas as tentativas do Nael de me acalmar, a melhor delas foi involuntária. Um dia antes, tínhamos conversado sobre a distribuição da Vacina da Covid-19. Não sei como, mas essa discussão acabou voltando naquele momento. Fazer um debate mundano me deixava menos introspectivo e centrado nos efeitos. Gradualmente, estava saindo do penhasco do pânico, e estava começando a escalar a fase filosófica do cogumelo.

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